quinta-feira, 30 de outubro de 2008

.:. LILITH E EVA .:.

Numa obra instigante e reveladora, a polaridade dos mitos de Lilith e Eva ajuda a esclarecer o que está por trás da posição insegura e instável da mulher moderna.


Dependente ou independente, submissa ou insubordinada, emancipada ou reprimida, esses e outros paradoxos são sempre considerados nas tentativas de interpretar a personalidade feminina, desde muito tempo. A evolução da humanidade mostra que, apesar das influências culturais, religiosas ou sociais, o comportamento feminino ainda é vítima da ambigüidade: submeter-se ou impor-se.

Mas todas se deparam a dado momento com o sentimento de inadequação ou marginalização. Em Lilith e Eva – Imagens arquetípicas das mulheres na atualidade (136 p.p., R$28,90), da Summus Editorial, a psique feminina é analisada pela psicóloga e psicopedagoga Valéria Fabrizi Pires com base nos mitos que mais traduzem a condição da mulher.

Lilith representa a mulher contestadora, que desenvolve uma vida fora dos moldes tradicionais, e Eva corresponde ao modelo que valoriza a maternidade e a postura conservadora dos costumes. Com base em questionários e entrevistas, a autora compara os dois modelos e apresenta uma inovadora forma de perceber qual deles predomina no atual papel da mulher na sociedade.

Valendo-se das figuras mitológicas de maior identificação com o feminino, Valéria inicia o livro com explanações de quatro estudiosos para contextualizar e explicar o que são os mitos e o que representam para a estrutura psicológica do indivíduo. As considerações dos mitólogos Joseph Campbell, Junito de Souza Brandão, Mircea Eliade e Roland Barthes contribuem para elucidar e interpretar a influência de Lilith e Eva nas personalidades avaliadas pela autora.

“Os mitos ajudam o homem e a mulher a entender sua natureza, pois contêm todo o saber humano expresso de forma simbólica, tornando-se gradativamente conscientes conforme sua evolução. São vias de acesso, fantasias e crenças que muitas vezes estão fora da consciência, mas influenciam significativamente a vida dos indivíduos”, afirma.

Demoníaca e mística, Litith é renegada pela religião e pelo sistema patriarcal, porém é citada por muitas culturas antigas como a sumeriana, babilônica, assíria, cananéia, hebraica, árabe, persa e teutônica com versões variadas sobre sua participação na origem do mundo.

Relacionada ao que é obscuro, escondido, proibido, o mito de Lilith está ligado a interpretações paralelas da criação da humanidade e, portanto, excluída dos registros oficiais dos religiosos. “Na sociedade patriarcal que perdura ao longo do tempo, Lilith é rejeitada, e seu caráter representa o aspecto oculto e instintivo do feminino, o que está reprimido no inconsciente da humanidade”, diz Valéria.

“Já Eva, muito mais divulgada, é reconhecida como modelo a ser seguido. De conduta repreensível, porém mais aceita”, relata Valéria. Desde a origem, como “pedaço” de Adão, recebe posição secundária, inferior, e dada à submissão, dependência, fraqueza, com o principal objetivo da maternidade.

Como esposa fiel e obediente ao marido, a mulher inspirada pelo mito de Eva está limitada a servir à família e a ter sua satisfação pessoal relegada à do lar. E isso tem representado um dilema da modernidade, em que a mulher é incitada a assumir quantidade maior de tarefas.

Os conceitos da autora puderam ser comprovados por meio de entrevistas. As respostas de dez voluntárias estão reunidas na parte final da obra. Os depoimentos demonstram como elas se identificam com as figuras mitológicas e as influências em suas posições profissionais, financeiras, na formação intelectual, em suas crenças, na sexualidade e na vida emocional.

Para a autora, a interferência do sistema patriarcal é predominante na construção da psique feminina. Segundo ela, no inconsciente coletivo ainda é latente a figura reprimida de Eva em detrimento da liberalidade de Lilith. “O equilíbrio está em a mulher não viver de maneira polarizada e rígida - Lilith ou Eva. Sua jornada deve ser vivida de modo que ela possa transitar entre os aspectos positivos e negativos do feminino e, dessa maneira, tornar-se um ser inteiro e único”, afirma.

A AUTORA

Valéria Fabrizi Pires é psicóloga formada pela Universidade Metodista de São Paulo (Umesp), especialista em Psicopedagogia pela Universidade São Marcos e mestre em Ciências da Religião pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Lecionou Psicologia na Universidade Ibirapuera (Unib) por treze anos. Atualmente, é professora de Psicologia da Educação no Centro Universitário Nove de Julho (Uninove).

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