segunda-feira, 27 de agosto de 2007

.:. Artigo - Ainda há juízes em Brasilia .:.

Jobim foi a boa surpresa da semana. Já a troca de posição dos mensaleiros, que de acusados passaram a acusadores, era esperada. O que não se esperava era a troca pública de segredos entre os ministros julgadores. Mas, afinal, isto é o Brasil.

Foi uma semana de revelações. Algumas agradáveis, outras nem tanto, mas surpreendentes. Primeiro, as agradáveis. É evidente que ninguém poderia ignorar a capacidade sempre demonstrada pelo ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim. Capaz, inteligente, culto, raciocínio ágil, rápido na ação, firme, às vezes até agressivo, - talvez por isso muitas restrições lhe eram feitas, quando na magistratura. Sua nomeação para ministro da Defesa foi recebida com surpresa e alguma perplexidade. Teria Jobim o perfil adequado para enfrentar e resolver os intrincados problemas de uma pasta que, criada no governo tucano de Fernando Henrique Cardoso, nunca deu certo? Os recentes acontecimentos, envolvendo o ramo aeronáutico do seu ministério, que reúne, por motivos mais do que sabidos, além daquele, os antigos ministérios do Exército e da Marinha, deixavam perceber o tamanho do desafio que Jobim se dispôs a enfrentar, corajosamente aconselhado por D. Adrianne Nelson de Senna Jobim.
POIS Lula, que erra tanto, desta vez acertou. Nelson Jobim conseguiu apagar, ou reduzir de intensidade, o incêndio que estava destruindo o sistema aeroportuário brasileiro. Como é do seu estilo, e ele deve ter imposto isso ao aceitar o convite, assumiu por inteiro, de forma total e incontrastável, todos os ônus e bônus do seu ministério. Com seu vozeirão, com seus quase dois metros de altura, com sua autoridade moral, impôs ordem e disciplina aos órgãos e agências que transformaram o transporte aéreo em um caos de conseqüências imprevisíveis, algumas já marcadas pela tragédia. Agora, todos sabem que há um comando, firme e lúcido, pois não bastam firmeza e agressividade no comando, qualquer que seja ele, se não existe também lucidez, racionalidade, bom senso.
JOBIM, na manhã de quarta-feira, compareceu a uma Comissão congressual. Respondeu com propriedade a todas as perguntas, deu o tom, e tomou, ali mesmo, as decisões que deveriam ser tomadas, inclusive a que, através de processo administrativo, pode, e deve, derrubar toda a supostamente intocável diretoria da ANAC - Agência Nacional de Aviação Civil, e a sua polêmica diretora Denise Abreu, a que fuma charutos. Foi uma aula ao vivo, transmitida pela TV, de como o Brasil deveria ser administrado, com autoridade e racionalidade. Que Jobim saiba colocar a desordenada casa em ordem, para tranqüilidade e segurança de todos nós.
AS OUTRAS surpresas, aquelas "nem tanto", muito antes pelo contrário, foram oferecidas no correr da reunião do Supremo Tribunal Federal, a do julgamento dos 40 mensaleiros. Aqueles que, copiando lamentável modelo mineiro dos anos 90, "Mensalão das Alterosas" como foi apelidado por alguns colunistas, usavam recursos públicos, através de duas agências de publicidade, para comprar votos de interesse do governo petista. O julgamento, uma sessão histórica, começou na quarta-feira e ainda não terminou quando digito estes comentários. A surpresa não veio do procurador geral Antônio Fernando de Souza, competente, minucioso no exame das provas, nem do comando da sessão, muito bem exercido, com firmeza e doçura, por uma mulher extraordinária, a ministra Ellen Grace. Quem acompanhou a transmissão ao vivo dos debates, que ainda continuam, percebeu, daí a surpresa, que todos os advogados de defesa, todos, partiram para cima do procurador geral na tentativa de invalidar sua denúncia contra José Dirceu e seus 40, por enquanto apenas 40, companheiros.
PELO que se viu e ouviu nas peças de defesa, os 40 denunciados são, todos, inocentes absolutos, anjos sem asas, vítimas da maledicência da imprensa e da má vontade do chefe da Procuradoria Geral da República. Os defensores, e eles estavam ali para fazer a defesa, ninguém pode lhes negar esse direito, preferiram rejeitar a denúncia em bloco, não levantando teses objetivas capazes de provar a alegada inocência dos indiciados. Simplesmente negaram tudo, negaram por negar, por atacado, todos batendo em teclas idênticas, certamente combinadas previamente. Todos acusaram o procurador, desmereceram os que formaram o processo e a imprensa, que além de noticiar, exerceu com ética, até com moderação exagerada, o papel investigativo que lhe cabe no cumprimento da missão de informar, de esclarecer, de retratar a realidade.
AO final de tudo, e repito, o julgamento não terminou, os menos informados, ouvindo os hábeis e exaltados defensores dos 40 mensaleiros, poderiam concluir que as posições, no plenário do Supremo, estariam trocadas. De um lado, os acusados, funcionando e atuando como acusadores; de outro, o procurador geral ,os magistrados, os que trabalharam na apuração e na formatação do processo contra os apontados malfeitores, ouvindo em silêncio, como determina a ordem processual, as diatribes e as agressões dos que deveriam pedir perdão à nação.
MAS a surpresa maior foi revelada por um fotógrafo inspirado do jornal O Globo, que conseguiu reproduzir uma série de mensagens eletrônicas trocadas pela ministra Carmem Lúcia Antunes Rocha, mineira ela também, e o ministro carioca Ricardo Levandowski. Na troca de recados e mensagens, comentam a denúncia do procurador geral Antonio Fernando de Souza, criticam o ministro Marco Aurélio Mello, ironizam o ministro relator Joaquim Barbosa, antecipam o voto do ministro Eros Grau (por eles chamado de Cupido), e trocam confidências sobre a substituição de Sepúlveda Pertence. Uma confusão que certamente vai render muitos comentários e problemas. E que deve dar o prêmio Esso ao jornalista de O Globo que conseguiu captar as mensagens eletrônicas, furando toda a imprensa e implodindo, e não por sua culpa, o tradicional sigilo que deve cercar todas as decisões judiciais.
VAMOS esperar o final de tudo isso. Com o elogio devido e merecido ao relatório e ao voto do ministro Joaquim Barbosa, um mineiro de Paracatu que honra Minas e a magistratura, provando ainda, com os demais que seguem o seu padrão de isenção e independência, que felizmente ainda há juízes em Brasília. A justiça, afinal, acreditamos, será feita, a lei obedecida, os culpados serão condenados, os inocentes, absolvidos. De outra forma, só aderindo ao bloco do Cansei!

Fábio P. Doyle
Jornalista
Da Academia Mineira de Letras

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