domingo, 13 de abril de 2008

.:. CULTURA DO PÃO E CIRCO .:.

Respeitável público, com vocês o rei, Roberto Carlos!
Divulgação
Ruy Câmara

Provavelmente será assim que a Prefeita, Luizianne Lins (PT) dará início ao show milionário que ela promove no aterro da Praia de Iracema, não se sabe se à pretexto do aniversário de Fortaleza, ou se em benefício eleitoral próprio, mas sabemos que o show engordará a poupança do ídolo da jovem-guarda com mais 1,2 milhões de Reais.

Orçado em aproximadamente 3 milhões de Reais, é certo que o show do rei será pago pelo contribuinte através dos prestadores de serviços da prefeitura e, certamente, o evento será utilizado pela Prefeita como um feito importante da sua pífia gestão, ou ainda como um marco da campanha eleitoral que ela antecipa em completo desrespeito à legislação vigente.

Atento ao oportunismo eleitoral da Prefeita, o juiz da 117ª Zona Eleitoral de Fortaleza, Emanoel Leite Albuquerque, teve o bom senso de proibir a veiculação do slogan "Fortaleza Bela" nas propagandas do show do rei em todas as emissoras de rádio e TV. Apesar de outras proibições previstas em Lei, a Prefeita continua dilapidando o dinheiro público (sabe-se lá quanto) com propaganda enganosa, subliminar e institucional do seu governo, pois é perceptível que ela, aflita como está diante do risco de não se reeleger em função do nada realizado ao longo da sua gestão, oportunizou a vinda do Roberto para abandonar o ilusório slogan "Fortaleza bela" e rapidamente adotou outro ainda mais ilusório, inspirado nos versos do rei, "como é grande o meu AMOR por você".

A palavra AMOR, tantas vezes inserida nos discursos demagógicos da Prefeita Luizianne Lins, é um anagrama (leitura ao contrário) da palavra ROMA. Curiosamente, foi precisamente em ROMA (antiga) onde homens, mulheres e crianças de todas as camadas sociais, viram o surgimento de uma cultura de entorpecimento social e político que consistia, exatamente, em alimentar e entreter o povão como forma de conter o agravamento da situação de descontentamento que se vivia à época.

A estratégia romana de inverter e subverter as prioridades sociais com pão e circo, conformou o estratagema cultural de uma sociedade que fenecia na periferia de um império em permanente crise moral e com déficit de decência, mantendo, para além das muralhas, a escassez de moradia e a miséria de um povo ávido por mudanças, e dentro do palácio, mantinha uma corte de gestores depravados e incompetentes que decidiam em consistório os destinos de ROMA e aplaudiam o ideário da crueldade, da perversão, da gastança e do desperdício.

A política circense (dos velhos e caquéticos cézares de ROMA) que Luizianne reintroduz de forma oportunista e irresponsável no último ano da sua fracassada gestão municipal, é uma demonstração clara e fatalista de que o seu "AMOR" por Fortaleza é leviano e falacioso, um AMOR que já ninguém acredita, pala insinceridade, incriatividade, incompetência, descumprimento das promessas de campanha e, principalmente, pela ausência de uma proposta séria e voltada para atender realmente às demandas da população mais carente de Fortaleza.

Não há como negar que aos poucos a prometida FORTALEZA BELA vai ficando feia, suja e doente, a caminho de se tornar a capital do atraso em áreas vitais como a Saúde, Educação, Segurança, Cultura; uma capital onde a maioria das pessoas sofre os efeitos do desemprego, da pobreza, da violência urbana, da falta de moradia e do trânsito caótico, um caos que ainda tem solução de curto prazo, já que a médio e longo prazos a solução passa pela construção de um complexo de transporte de massa integrado, como o Metrô.

Temos hoje 530 mil veículos e 98 mil motos circulando diariamente, e a cada mês a cidade recebe 5 mil novos veículos. Como não há investimentos voltados para a melhoria viária, como não se alarga os corredores, e como não se abriu uma única rua nova na cidade, o volume crescente de acidentes no transito acabarão desencadeando uma crise sistêmica na saúde. São 5500 acidentes de trânsito por ano, com aproximadamente 1500 perdas humanas, e isso já reflete diretamente na necessidade de descentralização das unidades de urgências e emergências para homens, mulheres e crianças, sem descriminação de sexo, idade ou cor.

É uma lástima constatar que ao longo de 3 anos e 3 meses de mandato a Prefeita torrou mais de 7,5 bilhões de Reais e não conseguiu realizar concretamente nenhuma obra de impacto econômico, social ou mesmo cultural em Fortaleza. Não construiu nenhuma ponte, nenhum túnel, nenhum viaduto e nenhuma praça importante.

No âmbito interno da Prefeitura, Luizianne preteriu o mérito e privilegiou a desqualificação, afastando técnicos de renomada experiência do comando para beneficiar dezenas de correligionários petistas desqualificados, razão pela qual a sua gestão não acolheu nenhuma solução duradoura para questões imediatas, como por exemplo: reduzir o déficit habitacional de Fortaleza, estimado hoje em 186 mil casas para as famílias de baixa renda.

Sabe-se que 18% dos moradores de Fortaleza residem em assentamentos anômalos ou, como se diz no jargão sociológico, assentamentos de exclusão. Nesses assentamentos identifica-se 152 áreas de risco. Entretanto, apesar de dispor de um orçamento de 2,9 bilhões de Reais, nada vem fazendo para reduzir a pressão dessa demanda. Nas 152 áreas de risco (lama, lixo e miséria) moram 26 mil famílias, ou seja, moram mais de 100 mil pessoas. No cinturão da cidade há 582 favelas, onde vivem mais de 300 mil pessoas. Nessas áreas (reino da promiscuidade, que envolve meninas de 12 a 16 anos, grávidas e viciadas) a PMF não disponibiliza sequer um serviço de aconselhamento para redução ou controle da natalidade. É um quadro triste e deprimente.

Apesar da gravidade e dos riscos de uma epidemia de dengue, apesar do acentuado aumento do desemprego, apesar do futuro incerto da função pública e das más notícias envolvendo a saúde, educação, a nítida deficiência de proteção municipal do cidadão, a Prefeita parece estar preocupada apenas com a sua reeleição.

Sem dúvida, a inversão de prioridades na gestão Luizianne é um agravante contra a sua pretensão eleitoreira. É o sintoma clássico de que a Prefeita e sua equipe descompreendem a magnitude dos nossos problemas estruturais, urbanos e sociais, sobretudo quando a propaganda oficial objetiva deslocar o olhar geral para que possamos ver a cidade através das lentes desfocadas da Prefeita, lentes que já não conseguem iludir o eleitor metropolizado, nem mesmo com pão e circo.

Além de patrocinar com o nosso dinheiro a vinda do rei, Roberto Carlos, que tanto nos inspira e emociona com sua música e poesia, o que fica da gestão Luizianne?

Queiram os céus que não chova no circo da Praia de Iracema e que o rei possa nos responder, cantando com sua voz melodiosa e olhando nos olhos da Prefeita a música, "PALAVRAS", cuja letra poderá incomodar: Não, tente me enganar/ Vejo em seu olhar/ que já não existe/ Aquele mesmo amor/ que nunca esperou/Acabar tão triste.

Que o rei cante também, "PROMESSAS": Amanha estarei tão distante de ti; ou a música "AGORA EU SEI", cuja letra é: Quanto tempo de sonho perdido/ Quanto tempo esquecido/ É melhor nem lembrar/ Eu pensei que entendia de tudo/ Que sabia de tudo/ Mas vivia no ar.

Ou ainda "DO OUTRO LADO DA CIDADE", cuja letra é: A cidade agora/ Do outro lado tem/ Alguém que vive sem saber/ Que eu vivo aqui também/ Desse lado da cidade não tem sol/ E tudo é muito triste/ Porque a alegria que havia/ Em minha rua não existe.

E possa encerrar seu show com o povo esclarecido cantando em coro: "NÃO VOU FICAR" cuja letra sabemos de cor: Há muito tempo eu vivi calado/ Mas agora resolvi falar/ Chegou a hora, tem que ser agora/ E com você não posso mais ficar/ Não vou ficar, não (não, não).../Toda verdade deve ser falada/ E não vale nada se enganar/ Não tem mais jeito, tudo está desfeito/ E com você não posso mais ficar/ Não vou ficar, não (não, não)

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Ruy Câmara é poeta, romancista, dramaturgo e sociólogo, autor de Cantos de Outono, o romance da vida de Lautréamont, finalista do Prêmio Jabuti 2004; vencedor do Prêmio de Ficção da Academia Brasileira de Letras, traduzido e publicado em 22 países.

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